quinta-feira, 4 de março de 2010

Dona Maria do Carmo

 











O barraco estava de pé. O namorado havia erguido as paredes de barro, mas desapareceu antes que as telhas fossem colocadas. O dinheiro era curto, a casa incompleta e as roupas não lhe cabiam. Era apenas ela, a barriga e o barraco sem telhado, portas, nem janelas. 
Maria do Carmo não entendia nada de obras, não sabia ler, nem escrever, mas precisava agir rápido. Em breve, se tornaria mãe de um menino, que até aquele momento estava prestes a nascer sob o sereno.

Pouco antes de dar a luz, Maria comprou as telhas para o barraco. Escolheu de amianto porque eram mais baratas e fáceis de colocar. E depois de algumas horas cansativas e solitárias de trabalho, sua casa tinha um telhado.
O barraco estava pronto. Com mais um pouco de dinheiro conseguiu colocar uma porta. Quatro tijolos abraçados num monte de galhos secos substituíam um fogão de quatro bocas que nunca existira. No lugar das panelas, uma lata de banha de dois quilos. A casa não tinha quarto, cozinha, sala. Todos estes ambientes se resumiam num só. Se Maria letrada fosse, e lesse revistas de decoração, poderia até falar que era dona de Loft. Mas ela não sabia ler nem português quem dirá inglês, e sua casa de um só aposento denominou-se barraco.
As telhas resistiram por pouco tempo, até que uma ventania, nem tão forte, nem tão fraca, derrubou todo o telhado. É que Maria do Carmo não sabia que depois de colocar as telhas de amianto, sobrepostas lado a lado, elas deveriam ser amarradas às vigas da casa.

Sebastião Francisco Alves, era esse o nome do namorado. E foi esse o nome de batismo do primeiro, dos três filhos que os dois tiveram juntos. Todos homens. Sebastião Junior, Carlos Roberto e Sérgio Eduardo.
Sebastião, o pai, voltou para Maria do Carmo. Depois da casa construída, depois do nascimento do primeiro filho. Voltou, mas não ficou. Ia e vinha, sem lenço, documento e compromisso. O namorado era assim como as telhas de sua casa, não se amarrava ao barraco. Era levado pelo vento. Até o dia em que Maria do Carmo descobriu que o motivo dele ser tão desprendido era uma aliança na mão esquerda que ele escondia desde que os dois se conheceram.
Mudou-se para Macaé em seguida. Ela e os três filhos.

Mãe, solteira, sozinha. Mulher valente. E orgulhosa de nunca ter deixado que faltasse uma refeição aos filhos. Nenhuma se quer.
Enquanto as crianças dormiam, todos os dias. Maria enchia dois latões de água, cada um com doze litros e ia para a rua vendê-los. O dinheiro da venda tinha destino certo. O café da manhã daquela manhã.
Fazia-lhes o café, com um pão e manteiga. E saia às quatro da manhã para a feira de Caxias. Chegava à feira com uma caixa de maçã vazia, e voltava carregando legumes, frutas, peixes. Andava quilômetros com a caixa na cabeça de volta para casa. As frutas, legumes e tudo que conseguia na feira era trocado com os vizinhos. Tomate por arroz, banana por feijão. Algumas vezes carregou os filhos feira a fora. Noutras, quando a feira não lhe rendia o necessário para o almoço e janta, pegava-lhe as crianças pelo braço e saía com a cabeça erguida a busca do que comer. Com um menino nas cadeiras, num braço a sacola e na barra da saia os dois mais velhos. Batia de casa em casa. Olaria, Penha, Bonsucesso. Ganhava pão, arroz, carne, lingüiça.
Na porta da antiga Casas da Banha, ia com uma vasilha plástica em busca de arroz, feijão.

Em Macaé, conheceu Moacir, seu companheiro. Juntaram os trapos, amarraram um telhado que até hoje o vento não carregou. Moacir fez dos filhos de Maria, seus filhos. E agora apóia a companheira a estudar, e aprender mais do que assinar o nome.

2 comentários:

  1. De letras em letras, eis que as histórias começam a ser contadas e o documentário a ser filmado..

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  2. Mari, amo a forma como escreve! Sucesso nesse e nos próximos trabalhos.

    PP

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