terça-feira, 16 de março de 2010

Zilda

  Menos ou mais nicotina: O vício continua.

Zilda colocou um segundo em seu coração para ocupar o vazio do primeiro. Seguiu o provérbio popular que diz que um grande amor, só pode ser curado com outro.
Se isso for verdade, fica comprovado que não existe cura para este mal que perturba tantos corações do planeta. O que acontece é apenas uma substituição do vício. Com mais ou menos intensidade.

Nunca foi à escola. Estudar era para filhos de famílias abastadas. Não era o seu caso. Começou a trabalhar ainda criança. Com dez anos, na roça. Preparava a terra, molhava a horta, capinava os raminhos de tiririca, tão insistentes. Passou pela infância sem as brincadeiras de roda, de pique esconde, ou pega-pega. Ficou adulta depressa. Muito mais rápido do que o seu corpo e a sua cabeça podiam suportar.

Aos quinze anos, ficou grávida do primeiro namorado que sumiu no mundo sem deixar notícias. Ele dizia que a amava e que precisava da prova do amor de Zilda dizia sentir por ela. A tal prova de amor nasceu, causando transtorno e confusão na vida daquela jovem que não foi criança, mas que também não era adulta.
O namorado já havia sumido há meses, e o bebê, uma menina foi criada pela avó.
Zilda saiu de casa e da roça. A vergonha de uma menina desencaminhada era um fardo difícil para uma família suportar. Zilda foi trabalhar de doméstica na cidade. O namorado voltou muitos anos mais tarde, quando já não fazia falta e as feridas estavam cicatrizadas.

As mãos de Zilda são grossas. Sua pele é branca, com manchas que quase lhe determinam uma nova cor. As mãos manchadas tremem quando Zilda fala sobre o segundo namorado. Sobre a substituição. Foi aos vinte anos. Já era mulher feita quando o conheceu.
Nome: José. Profissão: Marinheiro. Pré-requisito para se apaixonar novamente: O charme que só os homens de farda têm.
Cinco anos havia passado. Ela nunca mais teve ninguém depois do primeiro namorado. Dedicou a vida a trabalhar e cumprir a penitência de uma gravidez sem casamento. Mas o coração falou mais forte do que seus pensamentos. E bateu mais rápido pelo marinheiro. Este homem surgiu em sua vida como surgem os homens do mar. A melhor amiga de Zilda alertou a jovem sobre os perigos daquela relação.
Segundo ela, marinheiros chegam com a mesma facilidade em que vão embora. E não se demoram muito em cada porto. Não jogam âncoras, não deixam esperanças, nem rastros.
Por sorte ou azar, Zilda deu de ombros ao conselho da amiga. E namorou o jovem José.

O romance durou oito anos. Tempo suficiente para esquecer e curar as feridas de um primeiro amor mal resolvido. Intensidade suficiente para amar desesperadamente um segundo que a magoaria mais do que primeiro.

Com José, Zilda construiu uma casa. Deixou a vida de doméstica e foi morar com o marinheiro que jogou âncoras naquele porto seguro. O casal teve três filhas. E Zilda voltou à casa da mãe para buscar sua primogênita.
A última das quatro meninas ainda estava na barriga da mãe quando José sumiu no mundo. Um mesmo destino repetido duas vezes. Duas vezes abandonada, duas vezes grávida. Embora já tivesse experiências com o abandono, Zilda sofreu com mais intensidade a repetição de sua sina. Padeceu muito porque foi desesperadamente apaixonada por aquele homem. Viciada nele. Possuída pela necessidade urgente de tê-lo a qualquer custo. Quase enlouqueceu. Assim ela conta.

Não se sabe ao certo para onde José foi. Nunca mais o viu. Pro mar ela sabe que ele não voltou. Mas isso já não importava. Não guarda mágoas, não sente raiva. Mas foge das lembranças. Porque as lembranças não consolam. Atordoam. Suas filhas procuraram pelo pai e até hoje mantêm contato com ele. Zilda sabe da aproximação. Mas fecha os olhos e os ouvidos para toda e qualquer notícia sobre o marinheiro.

Depois do abandono, Zilda recomeçou seu trabalho de doméstica carregando suas quatro filhas. Foi difícil este recomeço. A mãe já falecida, não pôde olhar suas meninas enquanto Zilda trabalhava pelo sustento da família. Ela só podia seguir em frente sem contar com mais ninguém. Não se permitiu viver outro amor, embora fosse tentada pelo destino à algumas aventuras amorosas. O medo de uma nova ou repetida decepção era maior do que a vontade de ser feliz. Ela preferiu se anular como mulher. Ser mãe não lhe causava nenhuma mágoa, e foi esse o destino que ela escolheu para si mesma. Seguir na vida, com um único papel.

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